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Ilustração: Marta Pucci

Tiempo de lectura: 6 min

A abstinência sexual é um método contraceptivo confiável?

Coisas importantes a saber:

  • Isoladamente, a abstinência sexual não é um método contraceptivo seguro

  • De acordo com pesquisas, programas que incentivam a abstinência como único método contraceptivo foram considerados ineficazes e potencialmente prejudiciais para a saúde sexual e reprodutiva de adolescentes

  • Pesquisas apontam que programas que abrangem em conjunto a educação sexual e a prevenção de ISTs são os mais eficazes

Nota: o Brasil em 2016 alterou a designação de DST (doença sexualmente transmissível) para IST (Infecção sexualmente transmissível), seguindo o protocolo da Organização Mundial de Saúde.

Nos últimos anos, alguns movimentos políticos conservadores ao redor do mundo decidiram trazer à baila a ideia de que a melhor forma de contracepção possível é a abstinência sexual, ou seja, evitar completamente as relações sexuais para prevenir a gravidez e as infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). 

Segundo o relatório mais recente da UNESCO sobre educação sexual, programas que incentivam a abstinência como único método contraceptivo foram considerados ineficazes e potencialmente prejudiciais para a saúde sexual e reprodutiva de adolescentes (1).

Para o relatório, os programas com foco na abstinência como única estratégia para a prevenção da gravidez, além de presumir que adolescentes não têm nenhum contato com atividades sexuais, "têm uma maior probabilidade de conter informações imprecisas ou incompletas sobre temas como relações sexuais, homossexualidade, masturbação, aborto, papéis e expectativas de gênero, preservativos e HIV" (1).

Trocando em miúdos: uma estratégia que acredita que jovens adolescentes no florescer da puberdade não devem praticar atividades sexuais ao invés de ensiná-los sobre as possibilidades de fazer isso de forma segura não é uma estratégia sólida.

Mas e o que é puberdade? 

A puberdade é o período de transição que acontece entre a infância e a fase adulta. No gênero feminino a puberdade acontece entre os 8 e 13 anos e no gênero masculino entre os 9 e 14 anos. De acordo com a professora de biologia Vanessa Sardinha dos Santos, a puberdade, independente do gênero “é marcada, principalmente, pelo desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários e o início da fase reprodutiva” (6). Ou seja, quando o corpo muda e os hormônios também, a curiosidade inevitavelmente vai chegar.

Abstinência total?

Nos EUA, um programa conservador conhecido como Silver Ring Thing (SRT) incentiva adolescentes e jovens adultos a praticarem a abstinência sexual antes do casamento. O SRT faz uso de eventos musicais energéticos como forma de convencer os jovens de que a abstinência é um método seguro, além da melhor escolha moral. A organização distribui anéis prateados (silver rings) com inscrições da Bíblia depois dos eventos (7).

A ideia da abstinência sexual pode parecer eficaz, uma vez que a ausência de sexo com penetração pode prevenir uma gravidez. No entanto, é importante observar que, além de curiosidade sexual, os jovens também sentem curiosidade sobre as relações interpessoais de modo geral. 

Para que sejam eficazes, os programas que sugerem o adiamento do início da vida sexual devem contemplar e educação sexual compreensiva sobre métodos contraceptivos e levar em consideração que jovens têm acesso a conteúdos livres pela internet e redes sociais que não necessariamente são confiáveis (1).

Na publicação científica norte-americana "Journal of Adolescent Health", Leslie Kantor, Phd, pesquisadora em saúde reprodutiva, "os jovens têm direito à educação sexual que lhes fornece as informações e capacidades necessárias para se manterem seguros e saudáveis" (2).

Para Kantor, reter informações críticas de saúde dos jovens é uma violação de seus direitos. "Os programas de abstinência exclusiva até o casamento deixam todos os jovens despreparados e são particularmente prejudiciais aos jovens sexualmente ativos, que são LGBTQ+ ou que sofreram abuso sexual." (2)

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Brasil 2020: abstinência sexual como política pública

No Brasil, Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos – pasta criada especificamente pelo governo do presidente Jair Bolsonaro – decidiu lançar uma campanha para de prevenção da gravidez na adolescência no começo de 2020. A estratégia, que inclui a sugestão de abstinência sexual como método contraceptivo, foi realizada em parceria com o Ministério da Saúde e o foco da campanha são adolescentes entre 10 e 18 anos.

Segundo dados do Ministério da Saúde, "a gravidez na adolescência teve uma queda de 17% no Brasil segundo dados preliminares do Sinasc (Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos) do Ministério da Saúde (2004 a 2015). Em números absolutos a redução foi de 661.290 nascidos vivos de mães entre 10 e 19 anos em 2004 para 546.529 em 2015" (3). 

Ainda de acordo com dados apresentados pelo MMDFH, os índices de gravidez na adolescência no Brasil, estão 50% acima da média mundial. "A cada mil meninas, 46 se tornam mães adolescentes. Na América Latina, o índice é de 65,5. Já no Brasil, o número sobe para 68,4. Atualmente, mais de 434,5 mil adolescentes se tornam mães por ano no país". (4)

O Ministério divulgou uma nota para justificar a proposta de um programa que englobe a abstinência sexual como método contraceptivo dizendo que, "o artigo 217-A do Código Penal caracteriza como crime de estupro de vulnerável ter conjunção carnal ou praticar ato libidinoso com menor de 14 anos. Portanto, até essa idade, o Ministério entende que a criança ou adolescente devem ser protegidos da prática de atos sexuais. Ultrapassada a idade prevista, o fornecimento de métodos contraceptivos já é direito legalmente assegurado, assim como a educação sexual para o seu uso". (5) 

O problema de se usar o Código Penal como única base delimitante para a idade de iniciação sexual é que não se contempla que o início da puberdade pode variar de pessoa para pessoa, com fases e idades diferentes. Pode-se afirmar que é um risco ignorar as mudanças físicas e psicológicas comuns dessa fase. Os programas que não levam em conta esses fatores, como se afirma, são insuficientes.

Jovens devem ter direito de escolha

A recomendação da UNESCO é a de que os jovens devem ter o direito de escolha de quando e como iniciar suas atividades sexuais, e de estarem preparados para fazê-lo. Tal escolha deve incluir o direito de "abster-se, adiar ou envolver-se em relações sexuais". Ainda para a UNESCO, "embora a abstinência seja um método importante de prevenção gravidez, ISTs e HIV, reconhecemos que a abstinência não é uma condição permanente na vida de muitas pessoas jovens, e que existe diversidade na maneira como os jovens gerenciam sua expressão sexual em várias idades". (1)

Poder escolher quando e como iniciar a vida sexual é um direito inalienável de todas as pessoas e é um dever das instituições fornecer educação sexual de qualidade que informa sobre os principais métodos de prevenção à gravidez, ISTs e HIV, além de orientações para situações de abuso sexual.

A saúde reprodutiva não deve ser um tabu. Abaixo algumas leituras complementares:

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